A presença indígena na pós-graduação da UFFS

Publicado em: 17 de abril de 2015 09h04min / Atualizado em: 10 de janeiro de 2017 15h01min

A UFFS chega a um momento relevante para sua história de inclusão. Além de oportunizar o ingresso e a permanência de estudantes oriundos das escolas públicas, negros e indígenas na graduação, um fato novo chama a atenção: a presença de indígenas nos mestrados oferecidos pela Instituição.

O universo da Pós-Graduação Stricto Sensu não é novo para Susana Andréa Inácio Belfort. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFFS – Campus Chapecó, ela também é mestra em Direito.

Para a estudante do Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável oferecido no Campus Laranjeiras do Sul, Ilda Cornélio, a história é um pouco diferente. Ela precisou interromper os estudos aos 14 anos para ajudar a família. Ilda só retornou à escola anos mais tarde. “No Ensino de Jovens e Adultos concluí o Ensino Fundamental e Médio, com o apoio do meu marido que estudava junto comigo”. Anos depois, para cursar a faculdade de Serviço Social, Ilda enfrentou a dificuldade de morar em outra cidade, distante do marido e dos filhos.

Suzana Kagmu Mineiro também é aluna do Programa de Mestrado oferecido no Campus Laranjeiras do Sul. Para ela, o mundo acadêmico stricto sensu também é novidade. “Eu cursei Pedagogia e Geografia e iniciei Administração. Mas cursar um mestrado, tão perto de casa, é um sonho”.

As trajetórias de Susana, Ilda e Suzana seriam bastante similares à de tantos outros jovens que ingressaram no Ensino Superior no Brasil. Mas peculiar é a origem das três estudantes escolhidas para essa reportagem: as três são as primeiras indígenas a ingressarem em programas de pós-graduação stricto sensu da UFFS.

De acordo com o Censo da Educação Superior de 2013 (MEC/INEP) no Brasil, existem 13.687 estudantes indígenas frequentando a educação superior. Destes, 931, são da região Sul. Na UFFS, esse número chega a 151 (148 em cursos de graduação).

A UFFS, enquanto Instituição comprometida com o ensino e, principalmente, com o ensino como ferramenta de inclusão, implementou a Lei 12.711 (que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio) em sua totalidade, criando, inclusive, gatilhos para a inclusão de indígenas. Além disso, também aprovou, em 2013, o Programa de Acesso e Permanência dos Povos Indígenas na Instituição (PIN), que realiza ações específicas nesse sentido.

Para o diretor de Políticas de Graduação da UFFS, Elsio Corá, tem crescido, nos últimos anos, os indicativos de políticas intersetoriais e educacionais no que se refere à questão indígena. “Podemos citar dois pontos importantes no ensino superior: a lei de cotas (12.711) e a bolsa permanência. Essas ações vem auxiliando no ingresso e na permanência dos indígenas nas universidades públicas. Percebe-se, que por outro lado, também há uma sinalização positiva, por parte dos indígenas, em frequentar a educação superior. Mas sabemos que existem questões pontuais, que dificultam uma maior participação desses estudantes nas IES, dentre elas, por exemplo, dificuldades geográficas e, principalmente, culturais, de sair da aldeia e ir estudar em instituições que ficam distantes de sua terra”, cita.

Corá ainda comenta que, através do PIN, estão sendo implementadas diversas ações para garantir a permanência dos estudantes indígenas na UFFS, que é um dos grandes desafios para a ação de inclusão desses povos. “Dentre elas destacam-se: apoio financeiro, por meio da bolsa permanência (MEC); celebração de convênios e parcerias com órgãos públicos federais, estaduais e municipais; disponibilização de vagas para os estudantes indígenas participarem de projetos de extensão e pesquisa. Além disso, estão previstos no horizonte do PIN, projetos de tutoria pedagógica e realização de eventos culturais, entre outros.”

 

Conheça a história das estudantes indígenas da UFFS:

Susana Andréa Inácio Belfort – mestranda em Educação (Chapecó)

Com a mãe atuando como professora bilíngue, Susana conta que esteve no ambiente escolar desde muito cedo. Até a quarta série estudou exclusivamente em escolas indígenas, em vários locais. Depois, mudou-se com a família para São Luís (MA) e lá ficou por três anos. Voltou para o Rio Grande do Sul, fez o oitavo ano e, depois, magistério.

Logo nas primeiras experiências de convênios entre a Unijuí e a Funai, ingressou no Ensino Superior. Segundo ela, o grupo era de aproximadamente dez indígenas em diversos cursos. A escolha do curso se deu a partir de reflexões familiares. “Nas áreas indígenas, há espaço de trabalho em setores como saúde e educação. Boa parte dos estudantes escolhem essas áreas, então optei por outra, que também é fundamental, o Direito. Conversava com a minha mãe e ela lembrava que antigamente os povos indígenas usavam suas armas para a defesa das terras. Hoje é necessário conhecer nossos direitos”, destaca.

Depois de formada, e tendo a visão de que as ONGs e instituições ligadas à questão indígena precisam ter o olhar da comunidade, ela foi uma das fundadoras do Instituto Kaingang, do qual é a atual presidente. O instituto está sediado na Terra Indígena Serrinha, em Ronda Alta (RS). Susana é casada e tem dois filhos. A família divide o tempo entre Chapecó e a cidade vizinha gaúcha, já que a vivência indígena é intensa.

 

Ilda Cornélio e Suzana Kagmu Mineiro – mestrandas em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (Laranjeiras do Sul)

A experiência de Ilda no ensino foi marcada por algumas dificuldades. “Eu e minha irmã fomos as primeiras estudantes indígenas a ingressar na Universidade e alguns estudantes nunca tinham visto indígenas, então existia uma série de preconceitos”. Ilda cursou Serviço Social na Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro – (Guarapuava-PR).

A estudante também comenta a forte ligação que tem com a família, como é característico nos povos indígenas. “Além de preconceitos, tive que enfrentar a saudade da família, pois tive que morar em outra cidade para estudar. Era difícil ficar longe de meu marido e filhos.”

Diferente de Ilda, Suzana conta que seus pais foram seus primeiros professores. “Comecei a estudar na própria Terra Indígena Rio das Cobras. Para cursar o Ensino Fundamental e Médio tive que me deslocar diariamente até a cidade de Nova Laranjeiras. Por meus pais serem professores, tive muito apoio, mas sei que essa não é a realidade de muitos”, afirma Suzana.

Para as duas estudantes, ingressar no mestrado tão perto de casa é uma conquista, é um sonho realizado. “Já tinha pesquisado sobre a oferta de vários cursos em diversos lugares, mas o custo era muito alto com deslocamento e não teria condições de me sustentar. Na UFFS eu vislumbrei a oportunidade de fazer o mestrado, porque é próximo da minha aldeia, fico próxima da minha família e isso é muito importante”, comenta Ilda.

Ilda e Suzana são da etnia Kaingang e atualmente residem na Terra Indígena Rio das Cobras, localizada no município de Nova Laranjeiras (PR). Dos indígenas que vivem em Rio Das Cobras, elas são as primeiras a chegarem a um mestrado, até então ninguém tinha estudado até esta etapa. “Somos as primeiras e pretendemos incentivar que outras pessoas também estudem e se especializem”, afirmam as estudantes.