Professor propõe jogo para a redução de danos em pessoas atendidas pelo Cras
Criação de vínculo e facilitação da comunicação são os principais objetivos do uso da estratégia

Publicado em: 19 de abril de 2024 14h04min / Atualizado em: 19 de abril de 2024 15h04min

Um jogo que gera reflexões importantes para a saúde e para a vida. Essa é uma das estratégias usadas pelo professor Anderson Funai para que usuários de álcool e/ou substâncias psicoativas busquem reduzir riscos ao consumo de substâncias lícitas ou ilícitas.

A Redução de Danos (RD) faz parte das convicções do professor enquanto pesquisador e enfermeiro da área da saúde mental. “Eu não trabalho com proibicionismo, mas, sim, numa perspectiva de um uso de menor risco possível, sabendo que não há consumo de álcool e drogas sem risco”, comenta ele.

Funai já havia realizado outras ações com profissionais na região, como em 2016, quando uma formação sobre álcool e drogas teve um recurso aprovado junto ao Ministério da Justiça. Por ser conhecido por tratar do tema, ele foi convidado por profissionais de Nova Itaberaba para um trabalho com as pessoas atendidas no Centro de Referência e Assistência Social (Cras).

Foram três encontros, nos quais o professor utilizou a música e um jogo de tabuleiro desenvolvido por ele para propor ponderações aos atendidos. E há motivos bem claros para o uso desses recursos. O primeiro, é a facilidade de entendimento. “O desafio foi transformar a informação técnica em produto acessível, que possa ser consumido por qualquer um da sociedade”, explica o professor.

Assim, ele desenvolveu o “Jogo do Rolê”. No tabuleiro, os jogadores seguem o percurso conforme o que leem nas cartas, que trazem situações cotidianas da vida das pessoas.

Comportamentos de redução de danos fazem o jogador andar casas, ao passo que comportamentos que podem gerar riscos fazem o jogador retroceder casas, ou até mesmo, ser desclassificado. Por exemplo: quem tirar a carta “bebi e resolvi pedir um carro de aplicativo para não dirigir” pode andar duas casas. Já quem tirar a carta “bebi demais e não usei camisinha em uma relação sexual” é desclassificado do jogo.

O segundo motivo para a escolha do uso de um jogo é o vínculo com o paciente. “Acreditamos que esse tempo pode servir para estabelecer vínculo com essa pessoa. Durante esse processo de abordagem e de estratégia de redução de danos, a ideia é que a gente consiga ter um vínculo de qualidade e que, se essa pessoa se interessar por descontinuar o comportamento, ou seja, abandonar o uso de tal substância, a gente já tem ali um caminho dado. O vínculo é a ferramenta mais importante no cuidado em saúde mental”, explica o professor.

Durante o jogo, a cada carta lançada, o professor provocava a discussão da informação técnica. Como a maior parte do grupo era de mulheres, ele trouxe a questão de que a consequência do consumo de álcool é muito mais intensa no organismo feminino, em função do metabolismo e da constituição corporal.

A abordagem de usuários com a RD não é nova. No Brasil, foi usada nas décadas de 1980 e 1990, em função da epidemia de HIV-Aids e a troca de seringas. E já naquela época causava polêmicas: a entrega de seringas descartáveis aos usuários era uma tentativa de evitar o compartilhamento de seringas e a consequente infecção pelo vírus. Porém, o entendimento por parte da sociedade era de que a entrega de seringas descartáveis era um estímulo ao uso de drogas injetáveis.

“No contexto brasileiro, redução de danos é um tema também muito sensível. Nós, da saúde, pensamos o seguinte: se a pessoa não dá conta de abandonar o uso, então, como esse uso pode ser feito nesse período de tempo da maneira mais segura possível? Lembrando que não há uso seguro cem por cento”.

Em Nova Itaberaba, conforme o professor, houve bastante abertura nos diálogos entre os participantes, o que foi um sinal de que eles estavam à vontade para refletir e comentar sobre suas questões. “Na brincadeira do jogo, temas bem sensíveis da vida das pessoas foram sendo jogados ali na roda. Então, é uma intervenção em saúde muito séria, é uma abordagem em grupo mediada por um jogo”, finaliza ele.