Eventos no Campus Erechim debatem ciências humanas e sociais sob diferentes perspectivas
Carlos Santana, pesquisador associado da Universidade de Darmstadt, foi o grande convidado das ações promovidas pelo PPGICH

Publicado em: 06 de abril de 2018 10h04min / Atualizado em: 06 de abril de 2018 10h04min

A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim foi, nesta semana, promotora de uma série de eventos sobre ciências humanas e sociais. Através do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), a Instituição recebeu o professor Carlos Santana, pesquisador associado da Universidade de Darmstadt (Alemanha) e do Instituto de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O docente foi o convidado especial para uma agenda de eventos: uma roda de conversas com os mestrandos sobre redes de investigação, fomento e cooperação internacional; uma aula inaugural com o tema “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”; e um minicurso sobre variedades de capitalismo, política e desenvolvimento na América Latina.

A aula inaugural ocorreu na quarta-feira (4) à noite, e lotou o Auditório do Bloco B do Campus. A Universidade teve que transmitir o evento também por um telão instalado no Auditório do Bloco A. Na plateia, acadêmicos e comunidade regional assistiram ao debate que teve ainda como convidados os professores Christy Pato e Danilo Martuscelli, da UFFS – Campus Chapecó, além do professor do PPGICH Cássio Soares. O diretor do Campus Erechim, Anderson Alves Ribeiro, abriu a aula inaugural com as boas-vindas ao público. O reitor da UFFS, Jaime Giolo, também compareceu para assistir ao evento.

Público lotou o Auditório do Bloco B na aula inaugural

O tema do debate, também suscitado em outras Instituições de Ensino Superior no Brasil afora, é alvo de certa polêmica. Carlos Santana admite isso. “A polêmica se dá porque trata-se de um tema permanentemente exposto pela imprensa. A imprensa é o motor que torna o assunto objeto de interesse cotidiano, por vários motivos. De um lado porque os veículos de comunicação assumiram uma posição política, ou seja, eles têm lado, e também porque há uma disputa corporativa no país, com os setores do judiciário, do empresariado, do setor financeiro, assumindo uma posição política bastante evidente, e usando essa crise e esse momento particular como um elemento divisor de águas. Independendo das decisões que saírem, os atores vão se comportar de uma forma particular no próximo ciclo eleitoral”, afirmou o pesquisador em entrevista, minutos antes da aula inaugural.

Para além de discussões do tipo “foi golpe ou não foi”, o pesquisador destaca a importância do debate qualificado sobre a questão. “Há um debate permanente acontecendo na sociedade, seja nas universidades, nas associações, na vizinhança, dentro ou fora da família. O debate é permanente. O problema em particular está na emergência das redes sociais e da forma específica como as pessoas interagem, e da forma, digamos, ostensiva como a imprensa vem se posicionando”. Segundo o professor, “criou-se um terreno em que não é possível operar uma interlocução no meio termo. E isso não é uma opção gratuita, não é resultado do acaso. É algo deliberado. A sociedade está dividida porque existe um interesse de que assim seja”.

O evento ocorreu ao mesmo tempo em que o STF decidia, em Brasília, o habeas corpus do ex-presidente Lula. “O tema judicial tornou-se constante de rodas de conversa, assim como o futebol. Isso tem a ver com o fato de que há um receio na sociedade de que a decisão à liberdade do voto possa ser tolhida ou suplantada por decisões judiciárias. O interesse pelo tema tem a ver com o fato de o judiciário suprimir opções de escolhas eleitorais para o próximo período eleitoral. Essa ameaça torna o eleitor médio muito interessado no que se discute hoje em relação à crise política e ao papel do judiciário”, comenta Santana.

Carlos Santana: "Há um debate permanente acontecendo na sociedade"

No dia seguinte, à tarde, o convidado ministrou, no Auditório do Bloco dos Professores, um minicurso que teve como eixo o capitalismo organizado, entre outras questões. Santana discorreu sobre suas pesquisas sobre o tema, que inclui a visão de diferentes sociedades que não convergem, entre si, das prerrogativas tradicionais do termo “capitalismo” ou dos funcionamentos do mercado. Valendo-se de estudos de economia comparada, exemplificou com pesquisas realizadas na Ásia e na Europa.

Universidade e reflexividade

De acordo com o professor Cássio Soares, do PPGICH da UFFS, a proposta dos eventos desta semana nasceu no âmbito do Colegiado do Curso, como atividades para o início do semestre. “Queríamos fazer uma aula inaugural que pudesse dar conta desse momento político delicado que o País está vivendo”, conta. “Além da vinda do Carlos, aproveitamos também que temos alguns colegas da ciência política na nossa Universidade, no Campus Chapecó, que são o professor Danilo e o professor Christy.”

O docente aponta que os temas dos três eventos estão articulados com a proposta do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas. “Boa parte da agenda temática das ciências humanas se desdobra em um conjunto de perspectivas da agenda política, da sociologia, da antropologia, da psicologia social. E uma das nossas Linhas de Pesquisa tem que dar conta de questões que tenham a ver com processos, dinâmicas e saberes sociais no mundo contemporâneo”, explica Cássio.

“Considerando esse momento delicado de conjuntura política que estamos vivendo, já tínhamos um acúmulo, dentro do Programa, com professores que se dedicam a estudar questões internas, de natureza política ou político-social, e nos parecia importante contribuir com a reflexão em relação ao que está ocorrendo, e também pensar o desdobramento disto para a Universidade Pública”, conta o professor.

Segundo Cássio, este é o ponto que aponta para a importância do debate nas Instituições de Ensino. “O processo político que se desdobrou no golpe tem implicações num conjunto de políticas que estavam sendo efetivadas no Brasil desde, pelo menos, o início da década de 2000, entre elas o processo de interiorização e expansão da Universidade Pública brasileira. Com a PEC do teto do gasto público, nos vimos diante de um horizonte que implica num possível processo de desaceleração da expansão e até mesmo de sucateamento das poucas experiências que foram inauguradas nesse ciclo de interiorização das Universidades. Discutir a conjuntura política nessa chave é também uma forma de a gente se armar de ferramentas teóricas e conceituais, que tenham implicação no modo como vamos nos relacionar com a realidade que se abriu depois de 2016”, fala.

Cássio Soares: "Não há como não tomar partido do que está ocorrendo, o que não significa defender bandeiras partidárias"

Para o professor da UFFS, as Universidades, especialmente as públicas, sempre tiveram um papel importante no campo do debate público da sociedade brasileira. “Não somente no sentido de informar a opinião pública daquilo que está ocorrendo, mas também de intervir do ponto de vista de um ator importante”, diz. “O intelectual ou o profissional acadêmico tem uma contribuição do ponto de vista da sua capacidade de reflexividade sobre o que está ocorrendo, e o papel dele poderia ser comparado como uma espécie de catalisador desses debates que, muitas vezes, acabam polarizados, empobrecidos, encapsulados em torno de caricaturas e esteriótipos que o público leigo e o senso comum, muitas vezes em razão de processos de polarização das políticas, não se dá conta.”

Cássio afirma que as Universidades são uma parte importante da sociedade brasileira nesse contexto de busca de compreensão do momento histórico, bem como na tentativa de superá-lo. “Não há como não tomar partido do que está ocorrendo – o que não significa defender bandeiras partidárias ou de defender candidato X ou Y. Para além disso, é preciso entender que há dinâmicas econômicas, sociais e políticas que terão implicações muito delicadas no modo como a sociedade se organiza, tanto no mundo do trabalho, do ponto de vista de políticas públicas, tanto do ponto de vista do que é a Universidade, o sistema escolar, enfim”, finaliza.

Seleção

O Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFFS – Campus Erechim está com inscrições abertas até o dia 30 de abril. O curso é gratuito e são ofertas até 20 vagas para ingresso no segundo semestre deste ano. Mais informações no Edital Nº 375/GR/UFFS/2018.

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