Estudo identifica conhecimento de alunas do Campus Erechim sobre plantas alimentícias não convencionais
Pesquisa que agrega estudos feministas foi uma das vencedoras da última edição da JIC.

Publicado em: 24 de janeiro de 2022 10h01min / Atualizado em: 24 de janeiro de 2022 14h01min

Uma pesquisa desenvolvida com alunas da UFFS – Campus Erechim demonstra o interesse desse público sobre as plantas alimentícias não convencionais, conhecidas como PANC. O estudo foi realizado pela professora Naira Estela Roesler Mohr e pela bolsista Rhuane Cristine Fonseca Salles, acadêmica do curso de licenciatura em Pedagogia. As pesquisadoras se debruçaram sobre o tema considerando que as PANC podem ser uma possibilidade mais saudável e econômica para a alimentação.

Os dados foram coletados entre março e abril de 2021. No total, 134 alunas responderam os formulários enviados. Conforme os resultados, apenas 36,6% das acadêmicas de graduação e pós-graduação do Campus Erechim afirmaram cultivar as PANC em suas residências. Ao mesmo tempo, 86,6% das estudantes opinaram ser importante conhecer o assunto. Dentre as participantes, 61,4% afirmaram ter interesse em participar de formações temáticas sobre o tema.

- Raramente o cultivo das PANC faz parte da produção destinada ao mercado, mas podem contribuir com a base econômica das pessoas, uma vez que complementam a dieta e, consequentemente, podem diminuir a necessidade de aquisição e produção de outros alimentos, aspecto fundamental no atual momento – explica a professora Naira.

Sobre o uso e conhecimento das PANC, as pesquisadoras listaram algumas plantas utilizadas na alimentação não convencional e solicitaram que as participantes as identificassem a partir de questões sobre os seguintes aspectos: plantas conhecidas (ou que já ouviram falar), plantas utilizadas na alimentação e plantas cultivadas. Sobre a incidência das respostas, tiveram destaque o hibisco (Hibiscus rosa-sinensis L; Hibiscus acetossella Welw.ex Hiern), a ora pro nobis (Pereskia aculeata) e dente de leão (Taraxacum officinale).

Imagens com informações sobre as plantas incrementaram a divulgação da pesquisa (Divulgação)

As autoras do estudo afirmam que as plantas apontadas pelas respondentes podem ser reproduzidas na horta da UFFS para posterior coleta e catalogação. A horta agroecológica do Campus, aliás, foi identificada como sendo ainda uma novidade para algumas discentes, o que desperta interesse sobre esse espaço.

- Quando voltarmos às atividades presenciais, respondendo às reivindicações presentes nos questionários, serão realizados processos formativos sobre o reconhecimento e cultivo das PANC, priorizando espécies próprias da região e de fácil manejo, inclusive em pequenos espaços. Também abordaremos práticas de preparo de pratos buscando alternativas viáveis de utilização e incentivo da troca de receitas, com a contribuição de grupos que possuem experiência no assunto. Outra possibilidade é a organização de materiais didáticos/explicativos para difusão dos conhecimentos sobre esse tema – conta a professora.

A pesquisa abordou ainda algumas questões a respeito do contexto familiar e alimentação. Quanto à origem dos alimentos consumidos, há uma significativa dependência da aquisição de alimentos em mercados convencionais. Em relação às mudanças alimentares decorrentes da pandemia, algumas estudantes mencionaram dificuldades como a elevação do preço dos alimentos, o cotidiano agitado no cenário de pandemia que impede as entrevistadas de disporem de tempo necessário para o preparo das refeições e, ainda, a falta que faz o Restaurante Universitário da UFFS, uma vez que a alimentação oferecida é de boa qualidade com preço acessível.

PANC e luta feminista

O fato de que geralmente são as mulheres as responsáveis pela organização do alimento no ambiente familiar fez Naira e Rhuane incluírem os estudos feministas na elaboração do projeto. A pesquisa reafirma que a temática da alimentação possui ampla conexão com a luta feminista, e também de crítica ao modelo de produção capitalista, que gera exclusão e dificuldades a grande parte da população.

- As mulheres possuem a chamada jornada dupla ou tripla de trabalho. Geralmente essa situação é naturalizada, pois a forma tradicional de família é aceita e reforçada, com a mulher exercendo papel secundário nas decisões e na ordem de prioridades. Essas atribuições de papéis continuam a ser reforçadas pelo modelo patriarcal de sociedade. Por mais que se observem conquistas de direitos das mulheres no espaço público, no ambiente doméstico muitas atividades são invisibilizadas, como a tarefa de organizar a alimentação – observa Naira.  Várias das pesquisas sobre a utilização das PANC estão sendo realizadas por cientistas mulheres, assim como muitas experiências ocorrem no âmbito de grupos de mulheres camponesas, sendo as mulheres, portanto, protagonistas nesse debate.

Prêmio na JIC

O projeto foi idealizado no primeiro semestre de 2020. Classificado no Edital Nº 381/GR/UFFS/2020, foi contemplado com uma bolsa de iniciação científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) no período de agosto de 2020 a julho de 2021. Segundo a professora Naira, o trabalho teve que ser modificado ao longo do período com o avanço da pandemia de covid-19. Isso não impediu a bolsista Rhuane de conquistar o Prêmio Jovem Pesquisador (na Grande Área de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Letras, Linguística e Artes) da última edição da Jornada de Iniciação Científica (JIC) da UFFS.


Rhuane, bolsista do projeto, é aluna de Pedagogia do Campus Erechim (Acervo pessoal)

- Receber a premiação na JIC para mim tem um significado muito importante, pois em diversos momentos ao longo da pesquisa, notícias que divergiam da ciência eram divulgadas, o número de óbitos no Brasil [em decorrência da pandemia] só aumentava. E uma das notícias que mais me abalou foi a de pessoas comprando ossos nas filas dos açougues para alimentarem suas famílias, seguida da informação de que o Brasil voltou ao mapa da fome nos últimos anos – conta a estudante.

- Ao reconhecer as plantas alimentícias não convencionais como relevantes, me aproximei e me identifiquei com a pesquisa, buscando o maior número possível de informações sobre alternativas alimentares, sobre mulheres na ciência, bem como o cultivo de plantas na perspectiva da agroecologia. Em nossa pesquisa, vimos que até o que chamamos de “inço” tem potencial alimentício e nutritivo. Identifico como um trabalho coletivo, científico, guiado com seriedade e compromisso pela professora Naira, contando com a contribuição das professoras do grupo de pesquisa AFTA. Receber essa premiação demonstra que o esforço coletivo e participativo na ciência tem seus frutos e vale a pena todo o engajamento no estudo, na pesquisa e na ciência – finaliza Rhuane.