Em busca de entendimento sobre efeitos de fármacos, grupo realiza pesquisa com instituições parceiras
Etapas estão sendo realizadas na UFFS – Campus Chapecó e na UNESC, em Criciúma

Publicado em: 28 de março de 2019 12h03min / Atualizado em: 02 de abril de 2019 16h04min

Estresse, depressão. Palavras – e transtornos – tão comuns no cotidiano estão, também, nos laboratórios. Uma pesquisa, com a parceria entre UFFS – Campus Chapecó e UNESC, e com o fomento da FAPESC, além de fomento e bolsa de iniciação científica aprovados em edital interno da UFFS, vem buscando descobrir efeitos de medicamentos e estratégias terapêuticas no transtorno depressivo maior.

A pesquisa “Efeito da Quetiapina e Antidepressivos Clássicos sobre Comportamentos Tipo Depressivos, Mecanismos Neuroimunes e Plasticidade Neuronal Associados a Estresse Crônico em Rato” é coordenada pela professora Zuleide Maria Ignácio. Contribuem na pesquisa os estudantes de Enfermagem, Roberta Eduarda Grolli, Amanda Gollo Bertollo, Marcos Eduardo Plissari, e de Medicina, Silvio José Batista Soares. A pesquisa é translacional, ou seja, não é feita diretamente com o ser humano.

Para viabilizar o estudo, a professora buscou parcerias. “No início, as salas de biotério do Campus Chapecó não estavam adaptadas para a manutenção dos animais experimentais. No segundo semestre de 2018 as salas foram adaptadas com exaustores, porém, como os experimentos comportamentais deste projeto iniciaram na UNESC, deverão ter continuidade até o final do projeto. Além disso, tendo em vista a parceria, o Laboratório de Psiquiatria Translacional da UNESC fornece os animais e a realização de parte da pesquisa, para a qual já possuem infraestrutura adequada, com professores e alunos de pós-graduação e iniciação científica experientes”.

Para o estudo chegar às respostas propostas, várias fases são necessárias. Em Criciúma, nos laboratórios da UNESC, grupos de ratos adultos passam por um protocolo de 40 dias, no qual são submetidos a situações atípicas, como restrição de alimento, de água, alteração no ciclo claro-escuro, contenção de espaço. Não há uma ordem sequencial lógica das etapas para que os animais não se acostumem com as situações. Assim, eles são induzidos a um quadro de estresse crônico.

Depois vem a etapa de tratamento crônico. São 14 dias de tratamento com quetiapina, um antipsicótico de segunda geração e dois antidepressivos clássicos, o escitalopram e a imipramina. Na fase seguinte, são feitos testes de natação forçada, um modelo animal já consolidado para testar compostos com efeitos antidepressivos. Inicialmente os ratos treinam, em um cilindro. No dia seguinte, são submetidos ao teste. “Os animais com comportamento chamado ‘tipo depressivo’ desistem de nadar ou fugir do cilindro em que precisam nadar, ou seja, eles realizam menos essa ação do que outros”, ressalta a professora.

É possível relacionar o comportamento “tipo depressivo” dos animais aos comportamentos e respostas aos fármacos pelos seres humanos, que quando estressados ou deprimidos, os indivíduos saem muito menos de casa, têm dificuldade de trabalhar, de interação interpessoal e menos energia para realizar atividades importantes, inclusive de sobrevivência. Por outro lado, Zuleide explica que, assim como nem todos os seres humanos desenvolvem depressão quando estão em determinada condição, o mesmo acontece com os ratos. “Nem todos os animais que passam pelos eventos estressantes crônicos desenvolvem comportamentos ‘tipo depressivos’. Existem fatores genéticos que podem interagir com questões ambientais e psicossociais, predispondo mais alguns indivíduos do que outros”. Conforme ela, os ratos que não apresentam comportamentos “tipo depressivos” também são testados. Há ainda um grupo controle, formado por animais que apresentam comportamentos “tipo depressivos”, porém são tratados somente com soro fisiológico para que sejam comparados aos animais tratados com compostos antidepressivos.

Na próxima fase, tecidos cerebrais de cada grupo são analisados em laboratório. O objetivo é verificar, além do efeito antidepressivo, alguns mecanismos biológicos, como o estresse oxidativo, se o estresse crônico teve interferência na plasticidade neuronal, induzindo prejuízos e até perdas neuronais e se os fármacos, especialmente a quetiapina, reduzem os prejuízos, ou seja, se aumentam a neurogênese em algumas regiões do cérebro envolvidas com transtornos psiquiátricos (como o hipocampo, córtex pré-frontal, nucleo acumbens e amígdala). A avaliação do estresse oxidativo e outros mecanismos moleculares será feita nos laboratórios da UFFS – Campus Chapecó, com parceria de outros professores da UFFS. As professoras Margarete Dulce Bagatini e Aline Manica já iniciaram com os alunos de iniciação científica as análises do estresse oxidativo.

Conforme a professora, além do estresse oxidativo serão verificadas nas regiões cerebrais, possíveis alterações de proteínas e enzimas relacionadas com processos inflamatórios, os quais são muito relacionados com a depressão. Quanto à plasticidade neuronal, o grupo deseja avaliar se há reversão de possíveis prejuízos nas formações e conexões sinápticas e mecanismos relacionados a perdas neuronais.

A quetiapina faz parte de uma geração mais recente de fármacos antipsicóticos de segunda geração, sendo utilizada especialmente para a esquizofrenia e transtorno bipolar. Entretanto, o fármaco foi testado para depressão e, segundo a professora, percebeu-se que há um efeito antidepressivo nas pessoas que não apresentam resposta adequada aos antidepressivos utilizados classicamente. “Ele já foi aprovado para o tratamento da depressão, mas continua em estudo para verificar os mecanismos biológicos nos quais atua e até alguns mecanismos tóxicos que ainda possa ter”.

A professora Zuleide possui um estudo bastante avançado acerca da quetiapina. No último ano, ela realizou uma revisão científica completa sobre a quetiapina, a última feita no mundo. Fala sobe todos os aspectos farmacológicos, sobre quais as regiões cerebrais o medicamento age, quais os mecanismos biológicos, com os quais o fármaco interage.

Momento presente e futuro da pesquisa

Os pesquisadores foram duas vezes a Criciúma em 2018 para a realização de etapas experimentais com os animais. Em 2019, está prevista a realização de mais experimentos com outros grupos de animais.

A pesquisa ainda está em andamento e, por isso, é necessário, de acordo com Zuleide, avaliar, interpretar melhor e confirmar os dados com outros testes. Porém, conforme Roberta, foi possível perceber pelo que foi realizado até o momento, nas análises feitas em laboratório, que a quetiapina, assim como os demais antidepressivos, tem efeito benéfico. Silvio, que já é graduado em Psicologia, revela que nos testes comportamentais também já foi perceptível o resultado positivo do fármaco.

O próximo passo, segundo Zuleide, é alavancar estudos sobre efeitos de compostos ativos de plantas medicinais em transtornos psiquiátricos e doenças neurodegenerativas. Ela já submeteu projetos a agências nacionais e internacionais de fomento e aguarda os resultados.
Mas como já percebeu que as parcerias são essenciais, ela buscou novos pesquisadores para os estudos. Uma das parcerias é com o professor Walter Antônio Roman Junior, do Laboratório de Farmacognosia da UNOCHAPECÓ. Eles já atuam conjuntamente em alguns projetos com compostos ativos de plantas medicinais.

Na própria UFFS – Campus Chapecó, as professoras Adriana Remião Luzardo, Margarete Dulce Bagatini dos cursos de Enfermagem e Medicina e o professor Clevison Giacobbo, de Agronomia, também deverão atuar.

De acordo com Zuleide, as plantas medicinais são pauta desde 2012 na UFFS – Campus Chapecó, e os projetos envolveram pesquisa, ensino e extensão, em parceria com pessoas da região de Chapecó e outros municípios vizinhos que cultivam e têm amplo conhecimento popular sobre plantas medicinais.
Zuleide seguiu com o estudo de plantas medicinais na UNESC, em parceria também com a UFSC, e publicou pesquisas translacionais com estudo de compostos de planta em transtorno depressivo maior. A parceria com o Laboratório de Psiquiatria Translacional da UNESC também já está acertada para os novos projetos envolvendo estudos com plantas medicinais.

“Com outros professores da UFFS e outras parcerias interinstitucionais, é possível fazer ciência de qualidade e cumprir com uma das premissas importantes de uma Universidade. É importante também destacar que os projetos estão alinhados aos objetivos institucionais, inclusive debatidos e publicados na II COEPE/ UFFS, os quais buscam o protagonismo da UFFS junto às comunidades e movimentos sociais na região oeste do sul do Brasil”.

Dificuldades e recompensas

O projeto conta com um fomento de R$ 90mil, sendo que 70% do valor é destinado a equipamentos para os laboratórios da UFFS e 30% é destinado a reagentes e materiais de consumo para a elaboração dos experimentos. Também há fomento e bolsa de iniciação científica aprovados em edital interno da UFFS para a realização de parte do projeto.

Entretanto, o financiamento acaba não dando conta de certas despesas. Assim, para viabilizar os estudos, a mãe da professora Zuleide, que mora em Criciúma, recebe o grupo durante o período que eles precisam ir à Unesc. “O esforço vale a pena”, relata Roberta.

As vivências dos pesquisadores

“Comecei a pesquisar o tema bem antes de entrar na UFFS. Na Univalli e na Unisul já trabalhava com a neurociência. Meu foco sempre foi em neurociências: o mestrado foi em neurociências. No doutorado, de 2013 a 2016, trabalhei com a pesquisa translacional, com transtornos psiquiátricos, que é o foco do laboratório de Psiquiatria Translacional da Unesc, onde fiz o doutorado. A partir disso e da implantação dos laboratórios na UFFS foi que consegui entrar para o campo que sempre busquei trabalhar”.
Professora Zuleide

“Venho da psicologia. Durante a graduação recebíamos muitos pacientes em graus diferentes de depressão. Estagiei, também, em hospital psiquiátrico. O que percebi nesse tempo é que a Psicologia tem muitas técnicas, a gente entende bastante sobre a interação psicossocial, o contexto, como as interações influenciam nisso. Mas o foco não é tão profundo na parte mais fisiológica, farmacológica. Não há um aprofundamento como nesse projeto. Na época da graduação em Psicologia, atendi por 26 sessões uma paciente que não fazia uso de fármacos. Ela teve uma melhora, mas foi pequena. O que me chama mais atenção é que ela variava muito de melhoras significativas a quadros de baixa. Comecei a pensar que a que ponto seria mais produtivo o processo terapêutico associando com medicamentos. Pra mim está sendo muito importante essa pesquisa, pois além das ferramentas, da parte psicossocial que eu já tenho, estou aprendendo questões farmacológicas. Na psicologia nós vemos isso, mas não é tão aprofundado”.
Silvio José Batista Soares

“Precisamos ressaltar a importância de fazer pesquisa. Muitas pessoas passam pela universidade e a universidade não passa por elas. A universidade é ensino, pesquisa e extensão. Com a pesquisa você passa a ter uma visão diferente. Conhece lugares, pessoas, passa a ter uma gama de conhecimento muito mais abrangente do que estar somente em sala de aula. Agora estou percebendo a diferença que a pesquisa faz na formação dos profissionais durante a graduação”.
Roberta Eduarda Grolli