Renome nacional na Modelagem na Educação Matemática, professor fala de motivação na docência à Matemática Fuzzy em entrevista
O professor Rodney Carlos Bassanezi esteve na UFFS – Campus Chapecó para palestra

Publicado em: 13 de junho de 2017 15h06min / Atualizado em: 16 de junho de 2017 10h06min

A III Semana Acadêmica de Matemática da UFFS – Campus Chapecó foi encerrada na sexta-feira (9), com a palestra do professor Rodney Carlos Bassanezi. Ele falou aos participantes sobre "Modelagem na Educação Matemática", assunto do qual é um dos nomes mais reconhecidos nacionalmente. O professor concedeu uma entrevista à Assessoria de Imprensa do Campus Chapecó. Confira:



UFFSComo e por que a Modelagem Matemática se constitui como um ramo próprio na Educação Matemática, e qual a razão para ter ganhado espaço nas últimas décadas?

Professor Rodney – A Modelagem Matemática é um fator motivador para estudar Matemática. E depois que os cursos de Matemática Aplicada foram criados no país, ela teve sua força aumentada, porque era a aplicação da Matemática em processos, em fenômenos reais. Assim, a Matemática ganhou força como aplicação. No Brasil, a novidade mesmo foi a aplicação da Modelagem na aprendizagem – a gente foi mais ou menos os precursores desse tipo de coisa no mundo todo. O uso de modelagem, que é um processo de você atuar no mundo real usando a Matemática em qualquer nível, teve uma difusão muito grande. Isso começou mais ou menos na década de 1980.

UFFSQual foi a motivação para se iniciar o uso da Modelagem Matemática na aprendizagem?

Professor Rodney – O início é muito interessante. Tem uma historinha: a gente foi convidado a ministrar um curso de Especialização a professores da rede, numa faculdade de Guarapuava, no Paraná. A gente preparou um curso de Matemática para professores, mas quando chegamos lá, os alunos tinham uma formação muito heterogênea. Em Matemática não adianta fazer uma média no ensino. A média não serve nem para quem não sabe e nem para aqueles que sabem muito – assim, não ia agradar ninguém. Então a gente tinha que fazer um tipo de ensino de tal maneira que a maioria aproveitasse o curso. Foi aí que surgiu a ideia de fazer Modelagem Matemática, que consiste basicamente em descobrir o problema. Mais do que resolver o problema, você precisa formular o problema matemático. Em Matemática é muito mais difícil formular o problema do que resolvê-lo. Ainda mais com o advento das máquinas, que você consegue resolver quase tudo. E como criar problema? Para criar um problema, é necessário conhecer os problemas. E quais os problemas locais? Nessa ocasião, o que fizemos foram visitas a várias indústrias. Os alunos precisavam fazer perguntas: o que eles queriam entender sobre aquilo. Eles determinavam o problema, e quando ele determina o problema, fica mais motivado. Aí, os alunos obtinham dados, que são coletados em tabelas e, a partir delas, se faz a matemática, a função. Porque o objetivo de fazer o modelo é ter a previsão do que vai acontecer ou do que já aconteceu. E aí, você usa quase todas as ferramentas do cálculo para fazer coisas desse tipo. Então foi assim que começou: praticamente por acaso.

UFFSA partir disso, como o sr. seguiu com essa metodologia?

Professor Rodney – Essa foi a ideia inicial. A partir daí, todos os nossos cursos de Especialização foram com Modelagem Matemática, já que funcionou muito bem no primeiro. Nos outros, fomos aprimorando. A gente tinha uma lista de Matemática para passar aos alunos – álgebra, análise, cálculo, etc. Éramos um grupo de professores. O primeiro fazia um levantamento dos problemas e via qual a relação que existia nesses fenômenos. Depois, ia um estatístico para fazer um levantamento estatístico. Então era sequencial, mas a respeito do mesmo problema. No final, eles faziam as previsões e aplicavam toda a parte de cálculo e equações diferenciais.

UFFSE quais as dificuldades?

Professor Rodney – É uma metodologia que funciona se for bem feita. Mas, inicialmente é algo meio complicado se você não está treinado a fazer coisas desse tipo. Por exemplo: olhar uma cadeira e enxergar Matemática nela. Para isso, você precisa ter um certo treino. Os temas eram os alunos que escolhiam e, algumas vezes, a gente nunca tinha ouvido falar daquele tema. Uma vez escolheram exoterismo. Eu nem conhecia um baralho de tarô, mas aí vamos ver o que tem de Matemática no tarô. Os temas são os mais variados, pode ser qualquer coisa. E isso é o mais interessante: você pode tirar a Matemática de qualquer coisa.

UFFSQue tipo de locais vocês foram?

Professor Rodney – Numa fábrica de papel, por exemplo. Para fazer um papel tem um ambiente onde fazem a mistura da madeira. Há muita bactéria naquela mistura. Se não tiver controle da bactéria, com um bactericida, o papel sai amarelado. Na fábrica que visitamos, jogava-se 50 litros de bactericida a cada oito horas. A pergunta foi a seguinte: se em vez de jogar tudo de uma vez, a gente colocar o bactericida pingando – a mesma quantidade do produto – qual seria o efeito? Com o modelo matemático é possível mostrar que é preferível pingar o produto continuamente do que jogar tudo de uma só vez. Esse mesmo problema foi uma motivação para trabalharmos, depois, com o tratamento de tumores cancerígenos. Foi uma tese que orientei, depois, na Unicamp. Então, te dá ideias de fazer algo semelhante com fenômenos completamente diferentes. Essa analogia entre fenômenos é muito interessante na Matemática.

UFFSEm geral, muitos jovens estudantes têm bastante resistência com a Matemática. Por que isso ocorre e a Modelagem Matemática pode contribuir para diminuir o abismo entre os estudantes e a Matemática?

Professor Rodney – Sou suspeito de responder essas coisas, mas se você faz qualquer teoria e você vê que é útil, você a vê com mais carinho. Então não adianta o professor de Matemática chegar pra você e dizer “estude Matemática porque ela é muito importante. A aplicação você vai ver depois”. Você nunca vai ver essa aplicação. Ele fala isso no Ensino Médio e, mesmo na faculdade, mesmo fazendo o curso de Matemática, é aquela Matemática pela Matemática; você não vê onde será aplicada. Então, gostar da Matemática sem uma motivação são só alguns malucos, que são os chamados matemáticos, que estudam porque gostam daquilo, mas não porque verão uma aplicação. Esses são raros. Com a Modelagem, muda essa estrutura. Mas por que o professor não ensina com Modelagem? Porque ele nunca estudou com Modelagem. Então se ele não souber fazer, ele pensa que tem que cumprir um programa e que não conseguirá se fizer essas “brincadeiras”. Ele pega um livro e coloca o conteúdo no quadro. Fica aquela Matemática fria, distante de qualquer realidade. Estudam temas de Matemática, logaritmos, exponencial, etc., mas não tem ideia de para que serve aquilo. E, às vezes, nem o professor sabe para que serve. Isso que é fundamental: a maioria dos nossos professores não sabem o porquê ensinam aquela Matemática que estão ensinando. E quando o professor não está motivado, é difícil o aluno estar. Acho que essa dificuldade em aprender Matemática vem dos professores e não dos alunos.

UFFSE como abrir essa possibilidade para os estudantes, futuros professores de Matemática? E qual o perfil deveria ter esse novo professor?

Professor Rodney – Acho que com motivação, independentemente da metodologia, o professor vai motivar o estudante. Mas é difícil achar professores motivados hoje em dia. A Modelagem é apenas uma ferramenta para a motivação. Mas ela não é essencial. Só que com a Modelagem é mais fácil de motivar. Agora, o ideal é que tivessem disciplinas de Modelagem nos cursos de Matemática, que aqui na UFFS, em Chapecó, tem. Alguns lugares têm. No PROFMAT, a ideia é que os professores estudem o conteúdo de segundo grau de uma forma mais aprofundada. Só que a Modelagem não está no programa, apenas como optativa. Na UFABC, quando fizemos o PROFMAT, instituímos a Modelagem como obrigatória. Aqui também é obrigatória. Isso vai modificando um pouco a formação dos professores. E modificar a formação dos professores é um negócio que demora muito tempo. Começamos a falar de Modelagem em 1980, 81, 82 e só agora é que está mais expandida. O processo é lento. Na nossa academia, a Modelagem foi um pouco distorcida. Foram criados muitos cursos de Educação Matemática (mestrado e doutorado) e a Educação Matemática passou a ser uma área de pesquisa. Então, lincaram a Modelagem como um processo teórico; ficam teorizando a Modelagem, mas não ficam fazendo a Modelagem. Você falar sobre Modelagem é uma coisa; você fazer a Modelagem com o aluno é outra coisa. Então você pega esses “especialistas” que falam coisas lindas ou às vezes criticam a Modelagem, mas que nunca colocaram a mão na massa.

UFFSFala um pouquinho sobre seu livro “Ensino-Aprendizagem com Modelagem Matemática”, que é considerado quase um guia de Modelagem.

Professor Rodney – Esse livro surgiu justamente porque essa linha estava crescendo muito. Pensei:  “vamos fazer algo que possa ajudar as pessoas”. Não como uma receita de bolo, porque cada pessoa tem que encontrar seu caminho para fazer a Modelagem. No livro colocamos a Modelagem feita com os professores. Depois disso, fiz mais um livro para ser usado no PROFMAT, que é uma continuação daquele (Modelagem Matemática: teoria e prática). Só que no livro é diferente: tem que escrever as coisinhas ali, não tem muita graça. Em um curso, você tem que descobrir, junto com os alunos, a maneira de fazer. Esse é o legal da coisa.

UFFSQuais os trabalhos o sr. está orientando agora na Unicamp?

Professor Rodney – Minha formação é de Matemática pura. Esse processo de ensino-aprendizagem veio com o tempo. Depois que me aposentei, fui para a Matemática Aplicada, mas obviamente uso também a Matemática pura. A Matemática usada na Matemática Aplicada tem algumas particularidades: trabalha mais com problemas de previsão das coisas. Previsão tem equações diferenciais, que medem as variações. Através das variações, você faz a previsão de coisas futuras. Por exemplo, numa epidemia de gripe, você calcula quantas pessoas se precisa vacinar para acabar com a epidemia, ou quanto tempo demorará para ela acabar, quantos ficarão doentes. Há muita riqueza Matemática na parte da Epidemiologia. Nesse sentido, oriento dois alunos: um trabalha com leishmaniose. Ele é do Piauí, onde há muita incidência dessa doença. Outra é também sobre epidemiologia, abordando doenças que progridem com o tempo.
Uma estudante que estou orientando é sobre câncer: cada vez que faz a aplicação quimioterápica diminui um pouco o câncer. No intervalo do tratamento, aumenta. Algumas células nos protegem, mas variam de pessoa a pessoa. Há um limiar noético de cada pessoa: se baixar desse nível o número de células cancerígenas, o próprio corpo cura o indivíduo. Montamos um modelo matemáticos, com equações diferenciais, que medem coisas desse tipo: quando é que o câncer para de crescer? Quando passa desse limiar.
Outra estudante trabalha com doença de laranja, o greening (dragão amarelo). A doença é transmitida por um mosquitinho que tem uma bactéria, que se alimenta das folhas verdes da bactéria. Quando se alimenta, passa a bactéria para a planta. Então estudamos, com a Matemática, além da previsão, quantas plantas precisam ser cortadas, por exemplo. Usamos a difusão e levamos em conta várias questões, como clima.
Uma doutoranda, que é de Manaus, está estudando o controle da pesca para evitar a extinção.

UFFS – E com o que mais o sr. vem trabalhando?

Professor Rodney - Agora estamos usando uma Matemática que leva em consideração a subjetividade. É algo meio intrigante para quem não é da Matemática, mas vou te explicar. Existe, em Matemática, a estatística: previsão de alguma coisa com os dados já existentes. O passado te diz o que vai ocorrer no futuro, então tem que ter dados. Agora existe uma outra Matemática, mais ou menos moderna, que é a Matemática Fuzzy. Ela leva em consideração outro tipo de subjetividade, não baseado na estatística. É a subjetividade que você acha que vai ser. Por exemplo: qual a distância daqui a Concórdia? Mais ou menos 80 quilômetros. Você vai de ônibus, que sai mais ou menos ao meio-dia.  A velocidade máxima da estrada, cheia de curva, mais ou menos 100 quilômetros por hora. Então, tudo é “mais ou menos”; a vida toda é feita de coisas “mais ou menos”. Então, pergunto: se você pegar o ônibus do meio-dia, que horas você chegará em Concórdia? Não é preciso ter ido nenhuma vez, nem ter estatística. Você faz mais ou menos o cálculo de cabeça. Só que esses “mais ou menos” dá para fazer matematicamente usando isso que se chama de “Matemática Fuzzy”. Na natureza não há nada exato. É por isso que a Matemática foi feita pela própria Matemática. Quando você faz a aplicação da Matemática é uma Matemática “mais ou menos”.