Professor explica sobre o SUS no contexto da pandemia
A importância do Sistema Único de Saúde para os brasileiros ante à situação do novo Coronavírus é o principal tema da entrevista

Publicado em: 03 de abril de 2020 11h04min / Atualizado em: 03 de abril de 2020 13h04min

No momento em que grande parte dos países do mundo sofre com os efeitos da pandemia do novo Coronavírus, as pessoas costumam falar mais a respeito do sistema de saúde.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo tema de rodas de conversa (mesmo que as virtuais), posts de redes sociais e pautas de matérias jornalísticas – sejam com a comparação com outros países, sejam com críticas.

O professor da UFFS – Campus Chapecó, Claudio Claudino da Silva Filho, em entrevista, explica sobre como o SUS está estruturado, sua importância no combate à pandemia e as limitações e vantagens de sua existência.



1) Que pilares do SUS sustentam a possibilidade de contenção da pandemia do novo Coronavírus no Brasil?

Dentre os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), podemos citar como fundamentais para enfrentamento desta pandemia:
# Universalidade: significa que todos/as têm acesso igualitário, sem qualquer discriminação de raça/etnia, orientação sexual, identidade de gênero, região/procedência (inclusive estrangeiros/as, que possuem o mesmo direito de acesso que brasileiros/as natos/as). Em um país com dimensões continentais, diferenças culturais e desigualdades sociais substanciais, certamente é um dos maiores desafios. Em qualquer lugar que você more, o SUS deve chegar até você, inclusive nesse momento pandêmico.

Integralidade: significa que todas as necessidades de todos os/as cidadãos/cidadãs brasileiros/as devem ser atendidas por completo, desde demandas mais simples até as mais complexas, em um conjunto de esforços que vão desde a Equipe de Saúde da Família na unidade básica de saúde, até uma UTI de um hospital de referência, por exemplo.

Equidade: apesar de atender a todos/as sem discriminações de qualquer ordem, significa que o SUS pode e deve priorizar os casos mais graves/urgentes, sobretudo em situações como a pandemia atual, ou seja, dar mais para quem precisa mais. Está intimamente ligado ao conceito de justiça social, tão defendido desde a Reforma Sanitária para criação do SUS, e que ancora esse sistema de saúde como um projeto de sociedade, antes de mais nada.

Participação popular e controle social: significa que mesmo em tempos pandêmicos, podemos auxiliar o governo a melhor aplicar os recursos públicos para área de saúde, participando de reuniões (mesmo que virtuais, com as atuais recomendações de isolamento físico) de associações de bairros, conselhos de classe, sindicatos, coletivos por causas específicas, e dos conselhos locais, estaduais e nacional de saúde.

Descentralização: significa que o SUS tem obrigação de chegar o mais perto de cada cidadão e cidadã, ou seja, não pode estar concentrado apenas em grandes cidades ou determinados bairros “mais privilegiados”. As unidades básicas de saúde e a atuação dos Agentes Comunitários/a de Saúde, e Agentes de Endemias, exemplificam que em nossas casas, podemos vivenciar a promoção da saúde, prevenção de doenças, consultas em visitas domiciliares, reabilitação, dentre tantos diferenciais do SUS em relação a qualquer plano de saúde privado.

Hierarquização: significa que o sistema pode ser organizado em níveis hierárquicos para otimizar recursos humanos, materiais e financeiros, ou seja, se não é viável construir um grande hospital de elevada complexidade em todos os municípios brasileiros, é possível e recomendável que todos os munícipes tenham garantido seu encaminhamento para serviço semelhante dentro de sua macrorregião de saúde, em negociações formalizadas pelos/as gestores em diversas instâncias.

2) Existe uma estimativa de qual o percentual da população depende unicamente do SUS para a manutenção e tratamentos de saúde?

A Pesquisa Nacional de Saúde (2013) revela que a maioria da população (estima-se que 80%) é SUS-dependente para as ações relacionadas à assistência à saúde. Contudo, mesmo os/as que possuem plano privado de saúde usam o SUS direta ou indiretamente, por diversos serviços, desde os mais baratos (alguns imunobiológicos/vacinas) até mais caros (quase 100% dos transplantes que são realizados apenas pelo SUS). Além disso, o SUS está em nosso cotidiano, na água que bebemos, no ar que respiramos, no solo em que plantamos, nos diversos medicamentos que compramos nesses tempos de crise, no álcool em gel que precisou de critérios rigorosos de produção e é controlado pela ANVISA em todo processo de fabricação, enfim, em vários atos fiscalizados por meio das diversas vigilâncias à saúde, como a epidemiológica, a sanitária e a ambiental.

Nessa época pandêmica, o SUS está presente, por exemplo, diretamente em institutos de pesquisa, como a FIOCRUZ, que produz kits para testagens para o novo coronavírus, e também fabrica as vacinas para influenza (gripe), que embora não sejam especificamente voltadas para o novo coronavírus, minimizam quadros gripais que podem mascarar os sintomas da COVID-19, dificultando seu diagnóstico, além de evitar comorbidades que podem agravar ainda mais o caso dos infectados pelo novo coronavírus. O SUS, literalmente, está em todo lugar!


3) Quais as limitações do SUS nesse contexto de pandemia? E quais as vantagens dos brasileiros em tê-lo?

Pode-se citar como limitações: as dificuldades do Ministério da Saúde em manter um comando único, com Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, algumas vezes, mantendo condutas não alinhadas às suas orientações. Além disso, o SUS é um sistema cronicamente subfinanciado, ou seja, as UTIs e os respiradores que tanto se discute hoje como necessidade, já deveriam existir independente do panorama pandêmico atual, pois desde que criado, o SUS nunca teve aporte de recursos suficiente e alinhado às garantias constitucionais que preconiza para os/as brasileiros/as, tanto que sempre fomos e continuamos sendo um dos países que menos investe per capita com saúde, como mostram diversos estudos.


Quanto às vantagens, possuímos o único sistema público universal para mais de 100 milhões de pessoas, ou seja, se a população não o tivesse, como nos Estados Unidos da América, por exemplo, poderia se endividar indo a um hospital para uma simples avaliação, ou até ter seu atendimento negado por não poder pagar ou não possuir vinculo empregatício formal como nesse outro rico país que ainda não garante saúde como direito, como nós garantimos no Brasil. Um/uma estrangeiro/a no Brasil possui a vantagem de, a qualquer momento se apresentar sintomatologia para COVID-19, poder ter o mesmo atendimento que qualquer cidadão brasileiro, pois nossa constituição garante sem qualquer exclusão ou xenofobia.

Uma excelente vantagem é a capilaridade que o SUS possui no país quase que inteiro (apesar de uma parcela significativa da população ainda não possuir ou não saber que possui direito ao acesso), o que facilita a detecção de casos sintomáticos suspeitos, acompanhamento dos isolados domiciliares, busca ativa de grupos de risco, vacinação pela influenza, dentre tantas ações para minimizar os efeitos da pandemia e monitorar seus efeitos para além do pico da curva de casos confirmados e mortes pela COVID-19.

4) O que há de experiências anteriores do SUS com epidemias ou pandemias, quais foram os resultados e aprendizados?

Na história da humanidade, tivemos alguns exemplos que nos impactaram e ensinaram muitas coisas, como no século 14 com a peste negra, em 1918 com a gripe espanhola, e em 2009 com a gripe suína, sem contar no recente apogeu do antes controlado sarampo. Houve fake news idem (embora não houvesse a disseminação exponencial de hoje, pelas redes sociais), por exemplo, na falsa disseminação de que a gripe “espanhola” foi procedente da Espanha, e os meios de disseminação da peste negra, erroneamente enfrentada naquela época.

O principal aprendizado mundial e nacional, além da necessidade de transparência do poder público, governos e profissionais de saúde com a população acerca do real panorama enfrentado, foi e é o fato de que precisamos sempre lutar para fortalecer um sistema de saúde público e cada vez mais inclusivo. Tanto é, que países na atual pandemia do novo coronavírus, que não possuem sistema público como o nosso, têm sofrido muito mais impactos letais, e têm repensado a partir de pressão social para garantir saúde como direito (humano fundamental) de todos/as e dever do Estado, a exemplo de nossa constituição.


5) Já há um plano de ação para a pandemia atual, assim como foi feito o plano de enfrentamento à pandemia de Influenza?

Além dos diversos protocolos e manuais técnicos liberados pelo Ministério da Saúde nessa época, e das orientações estaduais adequadas à cada contexto loco-regional, pode-se citar:

LEI Nº 13.979, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2020 - Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

PORTARIA Nº 356, DE 11 DE MARÇO DE 2020 - Dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19).