Entrevista: professor Acízelo da UERJ fala sobre seu trabalho na área dos estudos literários

Publicado em: 31 de agosto de 2016 14h08min / Atualizado em: 04 de janeiro de 2017 11h01min

A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Chapecó recebeu, durante a VI Semana Acadêmica de Letras, o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Roberto Acízelo de Souza. O professor dedica-se à Literatura Brasileira e à Teoria da Literatura, com interesse especial na história e nos fundamentos conceituais dos estudos literários, bem como na historiografia da literatura brasileira.

Em 2015, seu livro “Do Mito das Musas à Razão das Letras: Textos Seminais para os Estudos Literários (século VIII A.C. – Século XVIII)” foi premiado pelo Jabuti na categoria Teoria/Crítica Literária, Dicionários e Gramáticas.

A Assessoria de Comunicação da UFFS – Campus Chapecó conversou um pouco com o professor sobre seu trabalho e sua análise sobre os estudos literários.

 

Professor, fale um pouco do seu trabalho sobre os estudos literários e dos livros que têm publicado sobre o assunto.

Olha, a gente na universidade hoje tem um trabalho muito intenso de publicação, que é uma coisa mais ou menos nova. Os professores que foram meus professores, costumo dizer que eles eram mestres mais socráticos, eles falavam muito e publicavam pouco. Mas a minha geração já é uma geração que, sobretudo nos últimos 15, 20 anos, tem sido submetida a um regime de produtividade, então a gente tem que se desdobrar, dando as aulas, pesquisando e procurando publicar. Eu, particularmente, gosto muito de escrever e de ler, talvez tanto ou mais do que dar aula [risos]. Então, eu procuro responder um pouco dessa exigência, que pra mim acaba sendo uma coisa que não me desagrada tanto. Eu fico muito feliz quando consigo escrever um texto, quando consigo ver o texto publicado, depois ver os comentários, isso pra mim é uma coisa que me dá muita satisfação.

 

O senhor tem trabalhado de forma a pensar historicamente cada disciplina, qual a importância desse trabalho?

Eu também pertenço a uma geração que foi muito estimulada, no campo das Letras, dos estudos literários, a fazer pouco caso da história e, não sei exatamente por quê, embora a minha formação tenha sido nessa direção, eu sempre resisti, nunca consegui entender esse pouco caso com a história. E a própria questão da disciplina que eu me propunha estudar que era, principalmente, teoria da literatura, quando procurei entender um pouco melhor seus fundamentos – isso na minha formação de mestrado, final de graduação – eu percebi que se eu não fizesse um percurso historiográfico, eu ficava no meio do caminho, não conseguia entender qual era a identidade da disciplina a qual me propunha professar, da qual eu queria ser professor. Então, comecei a verificar antecedentes e, nessa questão de ver antecedentes, você acaba entrando no processo de um resgate historiográfico, né? E me dediquei muito a isso, então acredito que acabou ficando uma certa marca do trabalho que eu tenho feito.

Na docência eu chamo muito a atenção dos alunos para essa questão da contingência da teoria da literatura, contingência no sentido de que ela tem antecedentes, tem um presente, que já está começando a se desfazer e, portanto, não é eterna, e isso acho que é consciência histórica da questão, do processo dos estudos literários. E na formação que eu tive, a impressão que nos era passada, pelo que nós líamos, pelas aulas que a gente assistia, a impressão era de que os estudos literários tinham chegado a uma espécie de ponto de consumação, que a teoria da literatura representava essa consumação, como se fosse uma coisa estática, uma coisa sem história. Então, esse percurso de recuperação de antecedentes, digamos assim, pra mim também foi muito instrutivo, no sentido de que relativizou a importância da disciplina que eu achava tão importante, continuo achando [risos], mas acho que ela também tem prazo de validade.

 

Como o seu trabalho pode contribuir com os professores em sala de aula?

Confesso que eu estou muito tempo afastado do Ensino Médio, da Educação Fundamental. Eu trabalhei muito tempo, até 1988 se eu não me engano, como professor do Ensino Médio, mas de lá pra cá, por uma série de contingências, eu acabei ficando só no âmbito da Graduação e da Pós-Graduação. Eu me sinto desatualizado, eu ouço dizer que a minha disciplina, a literatura, está sendo muito maltratada no Ensino Médio. Às vezes, dizem que ela nem existe mais. Então, acho que o trabalho que eu faço só de modo indireto poderia, digamos, repercutir no Ensino Fundamental e Médio, com os professores que hoje formam. Então, eu não sei, é um débito que eu tenho comigo mesmo, me atualizar, por exemplo, com os livros que estão utilizados hoje, estou muito afastado disso. A Universidade absorve muito.

Tentando ser objetivo, eu acho que eu posso contribuir para a ação de professores universitários hoje e esperando que esses professores que estão na Universidade, por sua vez, que terão alunos de Graduação, possam formar bem os seus alunos, que vão atuar na educação do Ensino Fundamental até o Médio.

 

Como o senhor analisa os estudos literários hoje em dia?

Acho que hoje em dia a principal questão que assinala essa última década é uma controvérsia, um debate entre o que se tem chamado “estudos literários” e o que se tem chamado “estudos culturais”. Aliás, eu tenho a impressão, uma coisa que eu não consegui pesquisar profundamente, aquela mania historiográfica de saber onde está o documento que comprova isso [risos], mas a impressão que me fica é que a própria expressão “estudos literários” passou a circular como uma espécie de contrapartida de uma expressão mais recente – o culture studie – que vem da Universidade anglófona. E essa expressão “estudos culturais” passou a circular, com um certo peso conceitual bem específico, e aí parece que do lado da teoria da literatura, que digamos, era a última palavra dos estudos literários, a própria expressão teoria da literatura começou a ceder vez. Isso é uma suposição que eu estou fazendo a essa outra expressão, que é um contraponto nítido aos estudos culturais.

Então, tenho a impressão que esse debate hoje assinala, não somente na universidade brasileira, uma controvérsia sobre o objeto. Para tentar sintetizar o máximo possível: para os estudos literários o objeto é estético, eu acho que essa diferença é crucial e, na medida que eu digo que é um objeto estético, estou pensando em questões de distinção de valores, estou pensando em cânone, ao passo que a noção de cânone, nos estudos culturais, é uma noção, no mínimo assediada, sitiada, né? E no campo dos estudos literários, não que o cânone seja uma coisa intocável, estática e eterna, mas a ideia de que há obras boas e ruins, né? Simplificando bastante, ela é própria do campo dos estudos literários e me parece bastante imprópria no campo dos estudos culturais.

No campo dos estudos culturais, talvez os critérios de apreço pelas obras – nem estou falando de valorização –, o critério de apreço talvez seja mais um critério antropológico, sociológico, ao passo que nos estudos literários a dominante – não que os outros não interajam, não tenham alguma interferência – o Supremo Tribunal, o critério é estético. Muito sinteticamente esse é o principal debate que nós temos hoje. Esse debate não é muito explícito, né? Eu vejo hoje uma enorme confusão conceitual. As pessoas quando falam estudos culturais não sabem exatamente o que estão falando muitas vezes, e quando falam estudos literários acredito que também não [risos], porque o debate não está explícito.

 

Por que o senhor sentiu a necessidade de organizar os textos em coletâneas como fez nos últimos trabalhos?

Isso era um projeto que eu concebi lá atrás nos anos 80, eu estava começando um trabalho administrativo que me absorveria muito, direção de uma unidade numa Universidade Federal, mas ao mesmo tempo procurava continuar estudando, continuar lendo e eu me lembro que recebi um catálogo de uma editora, não sei se norte-americana ou inglesa, e vi ali algumas obras, que me interessaram muito, que eu já as conhecia de biblioteca, e me chamava a atenção o fato de que quase só a língua inglesa tinha aquele tipo de obra, e das outras línguas que eu tenho acesso também não conseguia encontrar aquele tipo de texto.

É o que os norte-americanos e os ingleses chamam de reader, que não é exatamente antologia, se traduziria como livro de leitura, mas os readers da área dos estudos literários, esses norte-americanos e ingleses, eles me fascinavam por que eram verdadeiras bibliotecas compactas. Você não precisava derrubar uma biblioteca inteira para ter ali o essencial da tradição ocidental. Então eu achei que aqueles materiais eram muito importantes para os especialistas, ao mesmo tempo me parecia naqueles que eu estudei, que eles tinham algumas brechas que poderiam ser preenchidas e aperfeiçoadas e, em termos de brechas, a primeira que me chamava muita atenção era a ausência, praticamente total, do espanhol e do português. Muitos textos de autores de língua inglesa, tudo traduzido para o inglês, autores franceses, ingleses, um pouquinho de italianos, alemães, mas a Península Ibérica, consequentemente a extensão americana da Península Ibérica, nós todos aqui, fora, como se não houvesse pensamento, como se não houvesse nada aqui pra nós. Então, essa foi a primeira coisa que me chamou atenção e aí surgiu uma vaga ideia que eu pudesse fazer um projeto de estudar isso, propor um desses readers, pensando em nós, na língua portuguesa, no espanhol e foi essa basicamente a ideia original.

 

Como esse livro “Do Mito das Musas à Razão das Letras: Textos Seminais para os Estudos Literários (século VIII A.C. – Século XVIII)” premiado pelo Jabuti 2015 aparece na sua trajetória? Qual foi a ideia dele?

Esse livro foi o segundo dessa ideia dos readers, dos grandes readers. Primeiro foi um livro que saiu em 2011, também pela editora de Chapecó, a Argos, chamado “Uma ideia moderna de literatura”, então o lapso de tempo que eu procurei cobrir com esse de 2011 foi a modernidade, excluindo o modernismo. Ou seja, excluindo o século XX praticamente, tanto que o último autor que eu incluí no acervo foi Marcel Proust, quer dizer, início do século XX. E para trás, o limite desse primeiro foi o final do século XVII, o iniciozinho da modernidade.

Tentei primeiro resolver [risos] a questão da modernidade e depois a ideia era retroagir, pegar um lapso de tempo bem mais extenso, mas ao mesmo tempo muito homogêneo, segundo o que eu imaginava e acho que a pesquisa confirmou essa homogeneidade. Um lapso de tempo muito longo, que ia do século XVIII retroagindo até a época Homérica, então aí foi um projeto de certo modo, quer dizer os dois são geminados, na verdade é um projeto só. Num primeiro momento eu pensei que pudesse ser um reader único, depois achei que a ideia era muito maluca e dividi em dois. No primeiro, eu acho que eu consegui ganhar um Know How, uma técnica que me favoreceu muito na construção do segundo livro. Não que eu acho que o primeiro está muito torto não [risos], ele está certinho, está razoável, mas acho que muita coisa de técnica, de edição mesmo, eu acho que eu consegui melhorar em relação ao segundo e me deixou muito feliz o resultado, independentemente da recepção boa que teve, eu achei que o que eu queria eu consegui fazer.